terça-feira, 15 de abril de 2008

Mantenho-te viva na memória
Anjo ou deusa que foi real na fugacidade do momento
Rio a desaparecer no lugar da origem
Imóvel movimento que os espelhos já não captam
Anterioridade de um futuro tornado passado.

Enquanto me restarem as palavras para falar de ti,
Múltiplas formas de te ter presente,
Inquieta memória que quero persistente,
Lentamente irei consumindo os dias
Impossibilitado de fazer retornar o tempo
Ainda e sempre teu prisioneiro em liberdade.
Como é que se mede a saudade pelos calendários,
com que relógios podemos recuperar o tempo que perdemos,
de que servem as palavras se os silêncios são totalitários
e magoam na sua cruel inutilidade,
como resistir ao desespero dos dias cancelados
se o único sentimento é o vazio de ti
e a tua ausência grita no interior da voz interrompida?
Adormeço e acordo na mesma náusea surda,
repito os gestos, finjo a esperança congelada
e dir-se-ia que vivo sem saber o que é a vida.
O espelho devolve-me a imagem de uma falsa serenidade,
sinto que crescem as rugas na face da alma
e enfrento a aventura dos dias normais
com a mesma cobardia com que enfrentaria a morte.
Os silêncios e os relógios paralisados ficam prisioneiros das palavras
e tudo é memória e saudade a substituir-te o corpo,
estátua de sal e nevoeiro que temo dissolver-se
perante a crueldade do tempo que não quer saber das minhas mágoas.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Nunca mais poderei ver o teu rosto sem ser em imagens
e a tua voz ficou paralisada no tempo.
Ninguém sabe como dói no interior da carne essa certeza,
ninguém pode entender o quão insuportável é tudo isto,
insuportável para além das palavras sufocadas e das lágrimas.
É insuportável mas tenho que continuar a viver
porque de nada me serve converter-me numa estátua de mágoa
e sei que não gostarias que desistisse de tudo.
A saudade crescerá com o tempo,
a saudade será a casa onde habitaremos juntos
mas só eu envelhecerei carregando a memória,
fertilizando-a com as palavras,
cuidando dela com o mesmo amor que por ti tive.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Seremos irrevogavelmente aquilo que já fomos
sem poder repetir os gestos e as palavras.
A memória é agora a minha companheira
e só lhe serei infiel pelo esquecimento.
Nas gavetas as fotografias esperam o momento certo
mas ainda não quero fazer um ritual de mágoa
e deixo-as suspensas no nevoeiro do tempo.
Tenho saudades profundas daquilo que não poderemos fazer,
saudades que doem na impossibilidade.
Os dias repetem-se na sua crueldade,
são caixas de ressonâncias e de silêncios,
câmaras de tortura e janelas semi-abertas
por onde espreito a verdadeira vida.
Às vezes sinto que estou totalmente vazio,
alguém assaltou as minhas muralhas
e misturou a areia com a água estagnada.
Às vezes recuso-me a acreditar que tudo seja verdade
e gostaria de voltar a ser criança
para fingir que posso acordar do pesadelo
e ter-te à minha espera.
Às vezes sinto que a pior solidão
é estar rodeado de muita gente,
gente que se preocupa com os meus sentimentos
mas que não me pode restituir o que perdi.
Os dias sofrem complicadas metamorfoses
e são estrelas, pedras, musgo e cinza,
são fragmentos de velhos espelhos impossíveis
por onde posso espreitar o que não foi de nós.
Há quem fale em destino e em fatalidade
mas eu que sinto que me roubaram parte do futuro
não quero viver a vida em funeral permanente.
Tenho de nós dois a memória,
não sei se conseguirei ser feliz
mas por tudo aquilo que fomos hei-de perpetuar-te.