sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Desespera-me não poder usar o teu nome
sem trazer com ele os fantasmas da memória,
sinto-me terrivelmente só sem a tua presença,
perdido num interregno qualquer do tempo
e sem vontade de recuperar a vida que perdi.
Os dias têm outros mistérios mais obscuros,
aprendo a gostar das penumbras e dos silêncios
mas o teu nome morre no interior da minha voz,
impossibilidade que me consome como uma febre,
tristeza interminável
que me habita como uma estátua de areia e dor.
Quando uso o teu nome e não me respondes
é como se o mundo desabasse em silêncio
soterrando-me nas ruínas que ficaram da tua ausência.
É impossível continuar a viver como se nada tivesse acontecido,
fazer da dor um pormenor, uma infeliz ocorrência,
silenciar a revolta
ou sepultá-la sob uma camada de aparente tranquilidade.
Sangro, sangro por dentro
e querem que sorria e finja o que não sinto,
querem que recupere a normalidade
mesmo que isso signifique perder-te definitivamente?
Não estou preparado para regressar à vida,
as memórias são as minhas companheiras
e não acredito que o tempo me vá tornar insensível.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ausência e dor não deviam fazer parte da condição humana.
É quase insuportável carregar o peso dos mortos,
acordar de noite com o vazio como companheira,
naufragar na vida e abandonar a viagem.
O amor, como nos livros, deveria ser superior a tudo
e impedir até que a morte se interpusesse entre nós
proibindo tudo aquilo que havia ainda para fazer em conjunto.
A memória nunca deveria ser o substituto da companhia.
Parem os relógios, proíbam os calendários
até que o tempo deixe de ser uma ferida infectada,
um espinho que incomoda e dói na persistência.
Ensinem-me como se aprende a viver com a morte
mas não me ofereçam discursos de como reconstruir a felicidade
porque as palavras mentem na sua inutilidade.
O silêncio nunca deveria ser definitivo,
impossibilidade de comunicar, ausência de voz,
interrupção da palavra que ficou interdita.
A memória nunca deveria ser o antídoto para o sofrimento.
Façam de conta que voltei a ser a criança que perdi em mim
e prometam-me um colo onde possa simplesmente adormecer.
Preciso urgentemente de recuperar a esperança

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os dias apesar de tudo persistem na cadência morna,
os silêncios substituem as palavras mortas
e eu deixo que tudo à minha volta se misture
até que a atmosfera de labirinto seja a única verdade.
Os relógios continuam a ser objectos absurdos,
generais das guerras interiores dos sentimentos,
carcereiros do tempo e mensageiros da inutilidade.
Estou condenado a ser um arqueólogo das memórias,
converto-as em imagens, em fragmentos de vida,
em palavras que só em mim têm sentido.
Os meus dias são pesadas sonolências
de quem não acorda de um infindável pesadelo.
Apesar de tudo não me sinto abandonado pelos deuses
porque o destino não existe
e os deuses só têm poder sobre quem neles acredita.
Nos calendários os ciclos do tempo institucionalizam-se
e podemos fingir que algumas datas têm importância
esquecendo que de ano para ano apenas ficamos mais velhos,
mais cansados de ransportar a vida às costas
carregando com ela todas as nossas ilusões frustradas.
Os meus dias são assim, de viúvo de mim próprio
com raiva de não poder rasgar os calendários.

domingo, 9 de novembro de 2008

Tenho medo de te ir a pouco e pouco perdendo na distância.
As memórias que de ti tenho são como as páginas de um livro
e por vezes é impossível reler o que foi escrito.
O que mais custa porém é não poder terminar o livro
e preencher as folhas que ficarão em branco.
Não te quero fantasma a assombrar-me a vida
mas recuso-me a que só faças parte do passado.
Confesso que tenho medo que de ti só reste a saudade
e ainda não sei como sobreviver à tua ausência.
Estou em prisão domiciliária,
prisioneiro de mim e dos meus fantasmas.
A prisão tem a dimensão dos meus medos e da minha memória
e cresce e diminui ao ritmo dos dias.
As janelas que invento vão construindo as paredes
e escrevo com a teimosia de quem vive nas palavras
sem no entanto as confundir com a realidade.
Não sonho uma liberdade que me tornasse menos eu,
mais igual aos cânones de uma qualquer felicidade automática,
não sonho paraísos que nos fazem esquecer que somos humanos
em troca de uma estática bem-aventurança.
No corpo arde-me a ausência de ti
e o desespero é saber que não posso recuperar-te.
Não é o destino que me retém dentro de mim
e não quero transformar os dias em rituais de tortura;
por enquanto a minha vida é isto
e sou incapaz de imaginar uma outra realidade
que não violente os sentimentos que tenho.

As palavras

As palavras podem ser facas e espadas,
instrumentos subtis de libertar o sangue
e manter os homens nos limites dos seus medos.
As palavras são arcaicos estratagemas de tortura
inventados por antigas deusas insubmissas
que foram com elas reduzidas ao esquecimento.
As palavras são espelhos sem profundidade
substituída pelas sombras e o prenúncio de abismos
e quando me olho neles
fico sem saber da minha verdadeira identidade.
As palavras são feiticeiras que perderam o poder
mas retêm ainda a magia da sua impotência.
Houve um tempo em que fui delas escravo
e mesmo agora que sou vítima da desilusão
recuso-me a abdicar do seu sortilégio.
As palavras são as chaves da memória,
pesam-me no bolso como se fossem pedras
e por vezes abro portas que deviam ficar fechadas.
Desesperadamente anseio por um mundo de silêncios,
o universo de antes da criação das palavras,
o caos que anula a própria realidade.
As palavras podem ser esqueletos dos sentimentos,
aquilo que sobrou dos gestos e dos olhares,
a carbonizada memória do que só existiu na nossa imaginação
ou os remorsos por aquilo que necessariamente deveriamos ter feito.
As palavras são algemas e máquinas do tempo,
prendem-nos nos intervalos da evidência
e transportam-nos ao outro lado das coisas
ultrapassando as fronteiras e as esfinges de areia
com que nos habituamos a constituir os dias.
As palavras mentem tudo quanto dizem
e no entanto só nelas pode haver a verdade.
Quase em segredo sonho com o silêncio sem palavras,
um silêncio nevoeiro sem consistência nem profundidade
mas mesmo assim são necessárias as palavras
para que o silêncio tenha significado.