sexta-feira, 22 de maio de 2009

O tempo faz-nos esperar e desespera
com um desespero que é manso e é rebelde
e apetece ficar por dentro da janela
a espreitar a vida espelhada nos que passam.
O espectáculo do mundo pode ser narcótico,
náusea e consolo, substituição do que nos falta,
o espectáculo do mundo pode ser castigo
se os mesmos actores se repetem no palco
deixando-nos irremediavelmente por detrás da cortina
nos bastidores onde silenciosamente se adensam as sombras.
O tempo tem cismas de sentinela
e os relógios são objectos tão místicos quanto inúteis
porque medem do tempo apenas as suas superfícies.
Quando fecho a janela e baixo a persiana
o mundo fica em suspenso com o seu espectáculo
e só me tenho a mim em mim
porque o próprio tempo deixa de fazer sentido
na completa ausência de sentido que sou eu.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Não, o tempo não é um inimigo,
velho Cronos convertido em cruel parca,
o tempo é aquilo que dele fizermos
mas às vezes parece que ele tem vontade de nos magoar
e persegue-nos e destrói os sonhos,
por vezes o tempo joga connosco às escondidas
com regras que só ele conhece.
O tempo porém só é sagrado quando fazemos dele relicário
e evitarmos a vida com esperança no além.
O tempo é confidente e no entanto ignora-nos,
reduz tudo o que mais gostamos a memórias
e o pior é que as memórias se desvanecem
nos nevoeiros insondáveis que só tempo conhece.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Que idade têm as coisas na nossa memória delas?
Nem todas as imagens são nítidas
e o passar do tempo transforma-as em reflexos de sombras.
Gostaríamos de as guardar incólumes, intactas,
tão vivas como por momentos foram
mas o tempo se encarrega de as desgastar
e já nada mais é igual ao que queríamos que fosse.
É afinal o tempo que destrói a memória,
convertendo em desertos os jardins que foram nossos
e acumulando as desilusões como se fossem troféus,
é o tempo que revela as estátuas que sempre houve em nós,
estátuas de sal que não devem olhar para trás
porque o passado pode ser um castigo maior do que a morte.
O tempo tem um peso que por vezes nos esmaga
e outras vezes é como uma brisa de ar que mal nos toca
e no entanto nos deixa nas margens da vida,
tontos, à espera do que nunca será.
O tempo tem segredos de velha feiticeira,
é mágico e simultaneamente assustador, incógnita,
areia que escorre nos relógios antigos,
água em busca de uma foz que foi origem.
O tempo tem palavras que ainda não foram usadas;
são essas palavras que me obrigam ao silêncio
e sei que nunca recuperarei o que perdi.

domingo, 17 de maio de 2009

Dar conselhos não dou porque a vida é complicada

e cada um deve procurar para ela o seu sentido

mesmo quando o seu caminho não é paralelo aos outros.

Ouço com atenção aquilo que me dizem,

peso as palavras, as intenções e as entrelinhas,

peso os silêncios porque os silêncios têm um peso próprio

mas serei eu a ter a última palavra

para o bem ou para o mal ou para o assim-assim.

Não irei como os rebanhos pastar a mansa erva,

não sei se sou filho de deus ou do demónio

mas não irei pelos caminhos fáceis

nem serei pastor de ovelhas tresmalhadas.

Não dou conselhos porque todos os conselhos estão catalogados

e há livros com respostas para adormecer a alma.

Procuro quem sou, sou viajante de mim

e o tempo apagará as pegadas indesejadas.

domingo, 10 de maio de 2009

Tens dezoito anos.
Cresceste no tempo
e os rigores do tempo agora serão outros.
Foste e serás sempre a minha menina
e embora possam ser ridículas as palavras
para relembrar a tua infância
é dessas palavras ridículas que se faz o sentido da vida.
Tens dezoito anos.
Cresceste no exterior dos calendários
e os teus passos guiar-te-ão à felicidade que procuras.
Tens dezoito anos
e os sonhos ainda terão que realizar-se.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Serão estes os tais dias sem poesia,
os dias normais, moles e habituais,
sem palavras, sem gestos significativos
com os sonhos paralisados e as imagens suspensas?
Será este o eco de um tempo amaldiçoado,
nevoeiro de esfinges ou o que resta delas,
paredes nuas de um labirinto abandonado?
Sou porque o corpo me dói na ausência,
sou o que a memória me permite
e nunca hei-de confundir isto com a vida.