terça-feira, 30 de novembro de 2010

Julguei que a felicidade fosse uma coisa permanente,
uma dádiva dos deuses, uma caixa de Pandora
que premiasse a nossa necessária submissão,
julguei que os momentos podiam ser eternos
sem precisarmos da memória para os trazer de volta.
Fui ingénuo como uma criança que não quer crescer
mas acredito ainda que não nos está destinado o sofrimento
e que o sacrifício de Sísifo continua a valer a pena
porque é a revolta e a liberdade que nos torna homens.
Vertigem e silêncio, despótica palavra aprisionada,
fragmentos de uma memória que ficou interrompida,
nítida penumbra a anunciar o vazio
quando sabemos que o infinito vazio habita os nossos medos
e tem corpo de espelho e de sereia.
É o tempo que nos falta
ou são os relógios que estão sempre atrasados,
os relógios que guardamos nos interstícios do próprio tempo?
Vertigem e silêncio, a inquietação serena
que nos transforma em estátuas inseguras,
imagens caleidoscópicas de outros possíveis passados.
É de sonhos que estamos carregados
ou será que o peso é apenas o da ausência
e não sabemos esperar senão a inevitável morte?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Os homens

Os homens são tímidos nas questões do amor
e intrépidos na guerra e na violência.
Os homens são homens a brincar de deuses
enquanto os deuses desejariam ser apenas humanos.
Os homens são enigmas e labirintos,
teoremas que só as crianças entendem
porque não têm a ambição de entender tudo.
Os homens são silêncios carregados de palavras
e a sua temporalidade é um rio que desagua em esperança.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O amor

O amor não é suficiente
porque o amor não impede o sofrimento
nem nos torna mais invulneráveis.
O amor não é um antídoto contra a doença
nem o remédio para atrasar a morte.
O amor é ridículo com cartas ou sem elas
e é cruel nas despedidas,
tortura-nos com pequenas coisas,
incomoda-nos, tira-nos o sono.
O amor está fora de moda,
transformou-se num postal colorido
com pôr do sol e frases de ocasião.
O amor é incêndio e cinzas,
dilúvio de emoções e árido deserto.
O amor pode até ser fútil e banal
mas que ninguém pense que pode viver sem ele
porque sem amor somos marionetas tristes,
sombras de um desejo que nunca foi permitido.

sábado, 13 de novembro de 2010

Para onde vão os dias que passaram?
Haverá algum baú secreto onde se acumulam as pequenas sensações,
as palavras ridículas que nunca te disse
mas que foram as nossas senhas silenciosas?
Sou como uma criança à beira do desconhecido,
tenho medo de olhar
e as lágrimas escondo-as dos olhares dos outros
para que eles não se apercebam da minha fragilidade.
Sou como uma criança que perdeu o brinquedo
e não quer substituí-lo por um objecto qualquer.
Para onde vão os dias que passaram,
que rio levará com ele as memórias do que não foi possível?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Fazes-me falta,
a cama é grande,
a casa está vazia de ti,
há palavras sufocadas na garganta,
palavras vestidas de negro
que nunca gostaria de habitar.
Fazes-me falta,
os dias repetem-se nos calendários
mas evito fazer deles efemérides,
os dias são apenas dias de ausência,
dias sem ti,
impossíveis memórias
porque o tempo não regressa.
Fazes-me falta,
os anos vão passar inevitavelmente
insensivelmente,
mas sem ti,
à tua revelia.
Fazes-me falta,
de todos os silêncios o teu é o mais definitivo,
o mais magoado
e rasga as paredes da minha tranquilidade aparente.
Fazes-me falta,
de todas as vozes só não ouço a tua
e os sons estão congelados no tempo
como imagens num álbum interdito.
Fazes-me falta
mas não há falsas promessas de reencontro
e a solidão é tudo o que me deixaste.