sexta-feira, 4 de abril de 2008

Seremos irrevogavelmente aquilo que já fomos
sem poder repetir os gestos e as palavras.
A memória é agora a minha companheira
e só lhe serei infiel pelo esquecimento.
Nas gavetas as fotografias esperam o momento certo
mas ainda não quero fazer um ritual de mágoa
e deixo-as suspensas no nevoeiro do tempo.
Tenho saudades profundas daquilo que não poderemos fazer,
saudades que doem na impossibilidade.
Os dias repetem-se na sua crueldade,
são caixas de ressonâncias e de silêncios,
câmaras de tortura e janelas semi-abertas
por onde espreito a verdadeira vida.
Às vezes sinto que estou totalmente vazio,
alguém assaltou as minhas muralhas
e misturou a areia com a água estagnada.
Às vezes recuso-me a acreditar que tudo seja verdade
e gostaria de voltar a ser criança
para fingir que posso acordar do pesadelo
e ter-te à minha espera.
Às vezes sinto que a pior solidão
é estar rodeado de muita gente,
gente que se preocupa com os meus sentimentos
mas que não me pode restituir o que perdi.
Os dias sofrem complicadas metamorfoses
e são estrelas, pedras, musgo e cinza,
são fragmentos de velhos espelhos impossíveis
por onde posso espreitar o que não foi de nós.
Há quem fale em destino e em fatalidade
mas eu que sinto que me roubaram parte do futuro
não quero viver a vida em funeral permanente.
Tenho de nós dois a memória,
não sei se conseguirei ser feliz
mas por tudo aquilo que fomos hei-de perpetuar-te.

2 comentários:

Donagata disse...

Mais um belíssimo poema de saudade, embora me preocupe a angústia que te sinto...

Anónimo disse...

Seremos os dias que quisermos
os passos a brisa a chama
seremos o molde que fizermos
flores pássaros ou lama.