segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Acaba em silêncio o que começou na água,
onda, concha, peixe das profundidades,
estrela do mar, coral e gruta submarina.
As palavras naufragadas pesam-me nos bolsos,
transporto-as como uma relíquia desconhecida,
viajo entre a noite e o dia
com o corpo das sereias no exterior do espelho.
Entretanto converti o tempo num velho astrolábio
que me indica a localização dos astros
mas me faz chegar irremediavelmente atrasado.
As horas que há são aquelas que desperdicei
e nunca aprendi matemática suficiente para contabilizar os minutos
e impedir que tudo seja exterior a mim.
A água apaga as margens da memória,
dissolve-me o corpo num redemoínho de algas
e mesmo quando recupero do pesadelo original e único
há pedaços de algas a decomporem-se nos meus olhos
impedindo-me de ver para além dos horizontes de água.
O silêncio não substituiu a água,
transformou-a em mosteiro ao redor de mim,
emparedou as janelas e trocou o lugar das portas
obrigando-me a não saber se estou dentro ou fora
nesta casa fronteira entre o oceano e eu próprio.
Água e silêncio é tudo o que resta do meu corpo
e se acreditam que mesmo assim eu existo
é porque se deixam enganar pelos espelhos,
perigosos instrumentos de aquarizar os dias.

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