segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sou Ulisses que perdeu a ilha e a viagem,
no interior da noite sinto a angustia do Minotauro
e foi em mim que morreram as perigosas sereias,
mulheres que prometiam o que há para além da banalidade.

Sou D. Sebastião sem império ou nevoeiro,
caravela que não conseguiu ultrapassar o Adamastor
e ficou suspensa entre o naufrágio e o tempo.

Sou saltimbanco enclausurado numa casa vazia
a treinar as piruetas diante de um espelho quebrado.

Sou silêncio submerso por uma tempestade de palavras,
destroços dos dias, máscaras dos sentimentos,
icebergues a flutuar num lago de sombras.

Sou quem fui e quem poderei ser.

Sou sonho e pesadelo, raiva,
as sensações distorcidas e os medos,
os diferentes ângulos de um mesmo reflexo
repetido nas paredes de uma loja de conveniência.

Sou o caleidoscópio de imagens congeladas,
todas elas convocando uma presença impossível,
todas elas reafirmando a tua ausência.

Sou memória e esquecimento, náusea,
relógio de água subitamente perdido no deserto
impossibilitando-me de saber o tempo e a distância.

Sou o que penso e a inconsciência,
vários rostos e nenhum deles nítido como eu queria,
nenhum deles de mármore para ultrapassar a morte.

Sou talvez a ilusão de ainda querer ser
mas essa teimosia herdei-a dos meus antepassados,
carrego-a como uma identidade,
preciso de saber de mim como quem regressa à origem
e descobre que tudo ainda está por construir.

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