sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Normalmente desejamos o impossível
e a nossa tarefa de homens divididos entre o sonho e a realidade
é transformarmos a vida numa inquieta viagem.
Somos filhos de Ulisses e temos sangue de minotauro,
oscilamos entre o abismo e as promessas de céu,
repetimos incansavelmente as mesmas palavras
como se fossem portas para o desconhecido.

Normalmente somos bichos assustados,
fanfarrões, impertinentes, imitando os improváveis deuses,
perpetuando a violência e a crueldade como se fossem o destino humano.

O que é esta normalidade que nos pesa,
que nos transforma os dias em jogos de espelhos,
caleidoscópios de que não conhecemos os mecanismos?

Que memórias podemos usar
quando nos resumimos a páginas de um livro?

Irrita-me esta normalidade obrigatória
mas também eu estou prisioneiro das palavras
e habituo-me à pele dos meus dias,
à inexorável substituição dos calendários.

Irritam-me os rótulos e os panegíricos fáceis
mas acabo por me conformar à existência minha,
esta forma de ir sendo no interior dos labirintos,
quebrando vidros, desmontando crenças e sonhos,
remodelando o universo num projecto de papel.

Normalmente irritam-me todas as promessas de felicidade mansa,
todas as normalidades que se pretendem definitivas
mas até essa normalidade minha, feita de inquietação, me cansa
e por momentos suspendo o exercício da palavra
incapaz de encontrar qualquer sentido no contexto do poema.

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