segunda-feira, 7 de março de 2011

A grande lucidez dos deuses foi terem deixado o mundo aos homens.
Não interessa saber se o fizeram por bondade, fastio ou medo,
não interessa saber se foram para o Olimpo ou para um indefinível céu.
A pouco e pouco a presença dos deuses transformou-se em mito,
cinzas recolhidas pelos adoradores dos nevoeiros.
Houve procissões de velas a acompanhar a sua retirada
e os templos ficaram apenas povoados de silêncios.
Os deuses permitiram que Hércules libertasse Prometeu
e deixaram conselhos, proibições e medos.
Os deuses abandonaram-nos num mundo de sombras,
dividido entre os múltiplos infernos e a ilusão de paraíso.
Em Delfos só a velha e cega pitonisa
recorda o tempo em que os deuses decidiam o destino dos homens.
São talvez dela os ecos das palavras com que escrevo,
eu que não sou do tempo dos deuses nem tenho a memória da esfinge,
eu que até nem acredito nas divindades
nem nos sortilégios inscritos no interior dos dias,
eu que nunca estive mais longe do que a minha pequena realidade.
Restam dos deuses as recordações da pitonisa
que vou tecendo no passar das horas
com a paciência de quem tem a eternidade.

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