quinta-feira, 12 de julho de 2007

As palavras

As palavras são castigos,
Engrenagens da máquina do tempo,
Restos das ninfas, esqueletos aquáticos.

As palavras são os sinais do indizível,
A alquimia, o padrão, o mapa das viagens,
Espelho que reflecte o que ainda não há.

As palavras são o corpo dos dias,
Com elas nos vestimos para sair para a rua,
Com elas construimos a nossa identidade
E é nelas ainda que aprendemos a desenhar os horizontes.

As palavras são cinzentos punhais incandescentes
A incendiar os silêncios e a calcinar os homens,
Estáticas estátuas de delimitar a eternidade.

As palavras são explosões de estrelas,
Universos concentrados a escorrerem das canetas,
Rios demenciais a desaguar em mansos lagos
Que escondem profundidades de perigo e de mistério.

As palavras, irmãs e filhas,são secretas sacerdotisas
Diariamente imoladas nos altares mais quotidianos,
Desconhecidas deusas crucificadas no esquecimento,
Despedaçadas virgens a frutificar de esperança
E a renascer do sangue violentado.

As palavras são brinquedos, papagaios de voo controlado,
Piões a girar na palma da mão,
Caleidoscópio de imagens, carrossel de sensações.

As palavras, enigmas da esfinge,
São pirâmides arquitectadas nos desertos das cidades,
Construções de ausência e de existência,
O chão e o abismo do nosso humano ser.

As palavras são pássaros, algas, peixes anfíbios,
O que restou dos cânticos das sereias
Que outrora tornavam o mundo mais perigoso e fascinante.

As palavras são enxadas, martelos e bigornas,
Instrumentos de festa e de trabalho,
Os protótipos das invenções nunca registadas
Porque todas as verdadeiras descobertas são as ignoradas.

As palavras, amor, são o nosso código secreto
Feito de silêncios e gestos, de presenças,
Histórias diferentes e corpos comuns,
A senha para o despertar da nossa madrugada.

As palavras são janelas entre nós e as coisas
E ao abri-las encontramos uma outra realidade,
Um espaço de sombra e luz, a claridade,
A indizível memória que nos sobrou em herança
De um tempo em que só o silêncio era a verdade.

1 comentário:

Donagata disse...

Que bem que "brincas" com as palavras e que bom é enrolá-las e senti-las devagarinho quando se lêem. Surgem com tal fluidez que até parece ter sido fácil escrevê-las!!!