terça-feira, 10 de julho de 2007

Saudades impossíveis

Entre a criança que brincou ao pião e que jogou à bola
E o funeral de ter deixado de o ser
Ficou a poeira do tempo e uma imagem de céu,
O possível azul numa cidade que se petrifica em minotauro.
Não tenho porém saudades dessa criança morta
Nem guardo o pião na arca ou espreito a fotografia antiga;
Do que eu tenho saudades, saudades infinitas,
Saudades espinho e ácido, saudades de nem poder chorar,
É daquilo tudo que não fui nem poderia ter sido,
É isso que me faz pena e de que me arrependo.
A criança que fui teve o seu tempo de o ser
Mas a outra,
A que nunca saberei como seria, a impossível,
Fica-me a doer como uma ausência no fundo do sonho.
Sou órfão dessa criança que nunca existiu
E é esse tempo de nunca e de mentira
Que procuro reencontrar no espelho da memória.

Sem comentários: