domingo, 15 de julho de 2007

Se todos os silêncios

Se todos os silêncios pudessem ser subterrâneas fontes
enviaria um correio de ausência
tão triste quanto uma manhã enevoada
ou uma criança que nunca conheceu os pais.

Não sei escrever senão na areia que tudo absorve
e que transforma os sentimentos em gélidas esfinges,
estátuas do tempo que o tempo desconhece.
Não sei escrever senão sentimentos que não tenho
ou que,se os tenho, são convertidos em palavras ocas,
vitrinas que só guardam as sombras e os vazios,
estantes para colocar as sensações já catalogadas.
Perdi as memórias antes mesmo de as ter,
perdi-as como se perdem objectos antigos,
herdados de um tempo de que temos saudade
pelo simples facto de não o termos vivido.

Se todos os silêncios pudessem ser água que escorre
deixá-los-ia escorrer sobre o meu corpo
lavando-me dos medos e dos pensamentos de pedra
até que as algas substituíssem os meus cabelos
e conchas formassem desenhos no meu peito,
desenhos que só as magias antigas reconhecem.

Teimo em escrever mesmo que as palavras me doam,
recuso que o silêncio possa ser um túmulo
e tenho ainda a ilusão de partir em viagem
até à origem dos silêncios com corpos de mulher
e olhos de criança para espreitar os futuros

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