segunda-feira, 9 de julho de 2007

Perturbam-me os cães que desenterram os cadáveres

Perturbam-me os cães que desenterram os cadáveres,
Cães e cadáveres imagens da memória,
Sensações proibidas, raivosos silêncios,
Facas, gritos, anátemas furtivos,
Frenéticas viagens sem regresso ou destino,
Borbulhar da água nos secretos desertos,
O uivo feliz do último minotauro.

Fascinam-me os sinais que não consigo decifrar,
Os mistérios inúteis, os livros condenados,
As fogueiras da inquisição a perpetuar a morte,
Os heróis prisioneiros dos mitos e dos deuses
A sobreviverem nas epopeias dos portas cegos.

Os cães que pacientemente desenterram os cadáveres
Com raiva e teimosia, com insensibilidade,
Serão os sinais de que misterioso e banal quotidiano?

Os cães que persistentemente desenterram os cadáveres
Serão um reflexo meu sem que o queira,
Um retrato de sombras e o seu negativo,
Um objecto de recordar o que de mim não pode ser?

Só o silêncio me responde,
Só o silêncio me acompanha na tarefa de desenterrar palavras
Para as deixar cadáveres sobre as páginas,
Terra revolvida numa fúria de em mim decifrar os sinais.

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